Demissão por Justa Causa na CLT: 10 Motivos que Podem Levar ao Desligamento Imediato
A demissão por justa causa é um dos temas mais delicados e complexos dentro do universo das relações de trabalho. Trata-se da rescisão do contrato de trabalho por iniciativa do empregador, baseada em uma falta grave cometida pelo empregado.
Para o empregado, as consequências dessa modalidade de desligamento são significativas, impactando diretamente seus direitos rescisórios. Para as empresas, é fundamental que o processo seja conduzido com total embasamento legal, evitando futuras ações trabalhistas.
Seja você um colaborador buscando entender seus direitos ou um profissional de RH precisando conduzir o processo adequadamente, veja a seguir os procedimentos e as consequências da demissão por justa causa, além de dicas para evitar situações que levem a esse tipo de medida.
O Que é Demissão por Justa Causa?
A demissão por justa causa ocorre quando um empregado comete uma falta grave que quebra a confiança e a boa-fé que devem reger a relação de trabalho. Essa modalidade de desligamento está prevista na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e acarreta na perda de grande parte dos direitos rescisórios do trabalhador. É crucial que a empresa tenha provas robustas da falta cometida para sustentar a demissão.
Como funciona a demissão por justa causa:
- Identificação da falta grave: A empresa precisa identificar claramente a conduta do empregado que se enquadra como justa causa, conforme o artigo 482 da CLT.
- Coleta de provas: É imprescindível reunir todas as evidências que comprovem a falta, como e-mails, registros de ponto, depoimentos de testemunhas, imagens de segurança, etc.
- Análise jurídica: Antes de qualquer ação, a empresa deve consultar seu departamento jurídico ou um advogado especializado em direito do trabalho para avaliar a solidez das provas e a adequação da justa causa.
- Comunicação da demissão: A comunicação deve ser formal, por escrito, e detalhar os motivos da justa causa, com base nos fatos e nas provas coletadas.
- Anotação na carteira de trabalho: A anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) deve ser feita sem menção à justa causa, para não prejudicar o empregado em futuras contratações. O termo de rescisão, no entanto, deve especificar a modalidade.
Motivos Legais da Demissão por Justa Causa: Faltas Previstas pela CLT
A CLT elenca taxativamente as hipóteses em que a demissão por justa causa pode ser aplicada. Conhecer essas situações é fundamental para empregadores e empregados. Cada uma dessas faltas exige um nível de comprovação e análise por parte da empresa.
Principais faltas que configuram justa causa (Art. 482 da CLT):
- Ato de improbidade: Ato desonesto, como furto, roubo ou desvio de dinheiro/bens da empresa.
- Como identificar: Observar a conduta do empregado que demonstre má-fé, desonestidade ou vantagem ilícita em detrimento da empresa ou de terceiros no ambiente de trabalho.
- Como comprovar: Reunir evidências como registros de câmeras de segurança, comprovantes de transações financeiras fraudulentas, depoimentos de testemunhas, inventários que apontem desvios, ou qualquer documentação que prove o ato desonesto.
- Incontinência de conduta ou mau procedimento: Comportamentos inadequados que afetam o ambiente de trabalho ou a imagem da empresa, como assédio sexual, uso de drogas ilícitas no local de trabalho, ou brigas.
- Como identificar: Observar comportamentos que violem a moral, os bons costumes, a ética profissional ou que causem constrangimento e desconforto aos colegas ou clientes.
- Como comprovar: Coletar relatos de vítimas e testemunhas, registros de áudio ou vídeo (se permitidos e relevantes), e-mails ou mensagens que comprovem a conduta inadequada, ou qualquer documento que ateste o mau procedimento.
- Negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador: Quando o empregado exerce concorrência com a empresa ou se dedica a atividades que o prejudicam, sem autorização.
- Como identificar: Observar se o empregado está desenvolvendo atividades comerciais paralelas, utilizando recursos da empresa para fins próprios ou realizando negócios que concorram diretamente com as atividades do empregador.
- Como comprovar: Apresentar provas como registros de vendas ou serviços paralelos, anúncios de produtos ou serviços oferecidos pelo empregado, depoimentos de clientes ou fornecedores, ou qualquer documentação que comprove a negociação sem permissão.
- Condenação criminal do empregado: Quando o empregado é condenado criminalmente, com trânsito em julgado, e não há suspensão da execução da pena.
- Como identificar: O empregador toma conhecimento da condenação criminal do empregado, que impede a continuidade do vínculo empregatício.
- Como comprovar: Obter a certidão de trânsito em julgado da condenação criminal, emitida pelo órgão judicial competente, que comprove a impossibilidade de o empregado continuar prestando serviços devido ao cumprimento da pena.
- Desídia no desempenho das respectivas funções: Caracterizada pela negligência, desinteresse ou falta de produtividade do empregado. É um acúmulo de faltas leves que, juntas, se tornam graves.
- Como identificar: Observar o desempenho do empregado ao longo do tempo, notando atrasos frequentes, faltas injustificadas, baixa produtividade, erros constantes ou descumprimento de prazos sem justificativa.
- Como comprovar: Manter registros de advertências e suspensões anteriores, relatórios de desempenho, registros de ponto, e-mails de cobrança por tarefas não realizadas, ou qualquer documentação que comprove a negligência reiterada.
- Desobediência ou indisciplina: Descumprimento de ordens ou normas da empresa.
- Como identificar: O empregado se recusa a seguir ordens diretas do superior, ignora políticas e procedimentos internos da empresa, ou desrespeita as hierarquias.
- Como comprovar: Registrar as ordens não cumpridas, coletar depoimentos de testemunhas, apresentar comunicações internas que estabelecem as normas desobedecidas, ou registrar os atos de indisciplina em documentos formais.
- Abandono de emprego: Ausência injustificada do empregado por um período prolongado, geralmente superior a 30 dias.
- Como identificar: O empregado deixa de comparecer ao trabalho por um longo período sem apresentar justificativa ou sem comunicar a empresa.
- Como comprovar: Enviar telegramas com aviso de recebimento solicitando o retorno ao trabalho, manter registros de frequência (ponto), e obter depoimentos de colegas que atestem a ausência prolongada e injustificada.
- Ato lesivo da honra ou da boa fama, ou ofensas físicas: Contra qualquer pessoa no ambiente de trabalho, salvo em legítima defesa.
- Como identificar: O empregado profere ofensas verbais, difamações, calúnias, ou comete agressões físicas contra colegas, superiores ou terceiros, exceto em legítima defesa comprovada.
- Como comprovar: Coletar depoimentos de vítimas e testemunhas, apresentar registros de vídeo ou áudio (se relevantes e legais), ou documentar as queixas e os incidentes.
- Ato de jogo de azar: Quando o empregado participa ou promove jogos de azar no ambiente de trabalho.
- Como identificar: O empregado é flagrado participando ou organizando jogos de azar nas dependências da empresa durante o horário de trabalho.
- Como comprovar: Reunir provas como registros de câmeras de segurança, depoimentos de testemunhas, ou qualquer evidência que comprove a prática de jogos de azar no local e horário de trabalho.
- Perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei: Em casos específicos, como motoristas que perdem a CNH.
- Como identificar: O empregado perde a qualificação profissional essencial para o desempenho de sua função, como a perda da carteira de motorista para um motorista profissional.
- Como comprovar: Obter a documentação oficial que comprove a perda da habilitação ou dos requisitos legais, como a certidão do órgão responsável pela habilitação profissional.
Direitos do Colaborador na Demissão por Justa Causa
Ao contrário da demissão sem justa causa, onde o empregado tem direito a uma série de verbas rescisórias, na demissão por justa causa os direitos são significativamente reduzidos. Essa é a principal consequência para o trabalhador que tem seu contrato rescindido por essa modalidade. É fundamental que o empregado esteja ciente do que pode e do que não pode receber nesse cenário.
Direitos do empregado na demissão por justa causa:
- Saldo de salário: O empregado tem direito ao valor proporcional aos dias trabalhados no mês da rescisão.
- Como calcular: Divida o salário mensal pelo número de dias do mês e multiplique o resultado pelos dias efetivamente trabalhados até a data da demissão.
- Férias vencidas (se houver) acrescidas de 1/3: Se o empregado tiver férias vencidas (período aquisitivo completo e não usufruído), ele tem direito a recebê-las, acrescidas de 1/3 constitucional.
- Como calcular: Some o valor das férias vencidas ao seu acréscimo de 1/3. Por exemplo, se o salário base for R$ 3.000,00, as férias vencidas corresponderão a R$ 3.000,00, e o terço constitucional, a R$ 1.000,00. Totalizando R$ 4.000,00.
- 13º salário proporcional: O empregado também tem direito ao 13º salário proporcional aos meses trabalhados no ano da rescisão.
- Como calcular: Divida o valor total do 13º salário (um salário mensal) por 12 e multiplique o resultado pelo número de meses trabalhados no ano da demissão (considerando frações iguais ou superiores a 15 dias como mês completo).
O que o empregado NÃO recebe na demissão por justa causa:
- Aviso prévio;
- Multa de 40% sobre o FGTS;
- Saque do FGTS;
- Seguro-desemprego.
Como o RH Deve Proceder Numa Demissão por Justa Causa?
A condução da demissão por justa causa pelo RH deve ser meticulosa e extremamente cuidadosa para evitar nulidades e passivos trabalhistas. O processo exige não apenas o conhecimento da legislação, mas também a sensibilidade para lidar com o impacto que a decisão pode ter no funcionário e na empresa. A documentação completa e a comunicação clara são pilares para a legalidade do ato.
Passos para o RH proceder na demissão por justa causa:
- Investigação e coleta de provas: Antes de qualquer decisão, o RH, em conjunto com a gestão da área, deve investigar a fundo a suposta falta grave, reunindo todas as provas e evidências (registros, testemunhos, documentos, etc.) que comprovem a conduta do empregado.
- Análise jurídica: É imperativo que o RH consulte o departamento jurídico da empresa ou um advogado trabalhista para avaliar a consistência das provas e a adequação da justa causa à CLT, garantindo que não haja brechas para futuras ações judiciais.
- Comunicação formal: A comunicação da demissão deve ser feita por escrito, em documento formal, detalhando os motivos da justa causa com base nos artigos da CLT e nos fatos apurados. É crucial que o empregado assine o recebimento da carta. Se ele se recusar a assinar, duas testemunhas devem ser convocadas para atestar a entrega.
- Anotações na CTPS e no TRCT: A Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) deve ser anotada com o desligamento, mas sem menção à justa causa, para não prejudicar o empregado. No Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho (TRCT), no entanto, a modalidade de desligamento deve ser claramente especificada como “justa causa”, e os valores devidos (saldo de salário, férias vencidas + 1/3, 13º proporcional) devem ser calculados e discriminados.
- Pagamento das verbas rescisórias: As verbas rescisórias devidas na justa causa (saldo de salário, férias vencidas + 1/3 e 13º salário proporcional) devem ser pagas no prazo legal de 10 dias corridos contados a partir do término do contrato de trabalho. O comprovante de pagamento deve ser entregue ao empregado para que ele tenha ciência e controle dos valores recebidos.
Práticas Preventivas para Evitar Medidas como a Justa Causa
A prevenção é sempre o melhor caminho. Tanto para empregadores quanto para empregados, adotar práticas que evitem a necessidade de uma demissão por justa causa é fundamental. Para as empresas, isso significa investir em um ambiente de trabalho transparente e justo. Para os empregados, significa responsabilidade e comprometimento. A conscientização e o diálogo contínuo são ferramentas poderosas para construir relações de trabalho saudáveis e duradouras.
Dicas para evitar a justa causa:
- Para empregadores:
- Políticas claras e bem comunicadas: Mantenha um código de conduta claro, um regimento interno e políticas de RH bem definidas, e garanta que todos os colaboradores as conheçam e entendam. Realize treinamentos periódicos.
- Canais de denúncia: Crie canais de denúncia seguros e confidenciais para que os funcionários possam relatar condutas inadequadas sem medo de retaliação.
- Feedback e advertências: Ofereça feedback constante e, se necessário, aplique advertências e suspensões por escrito, dando ao empregado a chance de corrigir seu comportamento antes de medidas mais drásticas.
- Investigação interna: Em casos de supostas faltas graves, conduza uma investigação interna justa e imparcial, reunindo todas as provas antes de tomar qualquer decisão.
- Para empregados:
- Conheça seus deveres: Leia e compreenda o contrato de trabalho, o regimento interno da empresa e todas as políticas e procedimentos.
- Comunicação: Em caso de problemas pessoais, ausências ou dificuldades no trabalho, comunique seu superior e o RH.
- Profissionalismo: Mantenha uma conduta ética e profissional em todas as suas interações no ambiente de trabalho. Evite fofocas, discussões e comportamentos inadequados.
- Busque ajuda: Se estiver passando por dificuldades pessoais ou profissionais que afetem seu desempenho, procure o RH ou um superior para buscar apoio e orientação.
A demissão por justa causa, por mais dura que pareça, pode ser uma oportunidade para recomeços. Para o trabalhador, representa um convite à autorreflexão e ao crescimento pessoal. Para as empresas, é um alerta sobre a importância da gestão humanizada e da prevenção de conflitos.
Em tempos em que relações profissionais estão cada vez mais complexas, saber lidar com situações difíceis de forma ética, clara e empática faz toda a diferença. Afinal, todo ser humano tem o direito de aprender com os erros e reconstruir sua trajetória.
Se você chegou até aqui, talvez esteja passando por um momento difícil. Lembre-se: o fim de um ciclo pode ser o início de uma nova jornada – mais consciente, mais forte e mais verdadeira.